terça-feira, abril 26, 2005

Estado de choque

Estava aqui a ler um "caso" para a minha aula de Estratégia (sim, às vezes tenho aulas e às vezes até me preparo para elas) e deparei-me com um facto que me deixou em profundo estado de choque:

Por volta de 2000, um terço (um terço!!!) dos 30,000 empregados da Microsoft eram milionários. Respirar fundo... 10,000 tipos da Microsoft eram milionários!!!! 10 mil!!!!!! E havia uma porrada deles (eles não dão números, mas certamente seriam mil ou mais), os maus veteranos "valiam" mais de 100 milhões de dólares.

Bom, desculpem lá mas eu não posso evitar o seguinte comentário: PUTA QUE PARIU!!!!!!!

Alguns desses 10 mil certamente que eram executivos de topo ou programadores de qualidade, mas bolas, certamente que também haverá aí no meio programadores sem qualidade, secretárias, contabilistas, motoristas e empregadas da limpeza!

O "caso" diz também que por esta altura os nossos amigos Bill e Stevie [Balmer] estavam com alguns problemas para motivarem os seus trabalhadores. Jurem?!?! Que esquisito!! Houve até uma série de executivos de topo que tiraram licenças sem vencimento durante um ou vários anos (ou que abandonaram de todo a empresa) para se dedicarem a actividades como investirem numa carreira de bowling profissional, cavarem ossos de dinossauro num deserto na Mongólia ou simplesmente viajarem ou pescarem...

sábado, abril 23, 2005

Mais uma cronica de Berkeley da Pedrosa

Se já não concordava com algumas coisas da primeira crónica desta senhora, esta segunda tem tantos disparates que hesitei enormemente antes de a trascrever. Mas enfim, é sobre Berkeley e aqui e ali até descreve um pouco do ambiente. Só ainda não percebi o que anda ela para aqui a fazer...

Diários de Berkeley II - Inês Pedrosa

Não sei se por causa da gloriosa chegada da Primavera, em Berkeley toda a gente parece sorrir permanentemente. «Daqui a um mês e pouco começa a estação dos choros», garante Deolinda Adão, coordenadora do Programa de Estudos Portugueses da Universidade. Explica-me que uma chuva de lágrimas, por estes relvados agora tão soalheiros, marca a época dos exames. Conta-me que, no ano passado, um rapaz chinês se suicidou atirando-se do alto do edifício de Matemática, à hora do almoço: «Caiu mesmo ao lado daquele jardim, onde decorria um enorme piquenique. Ainda foi uma sorte não ter morto mais ninguém.» E tudo porque tivera um A- num teste. Nem sequer era um B. Chegam aqui habituados a serem os melhores da escola, e não aguentam descobrir que os outros são tão bons ou melhores do que eles. «O caso do chinês não é único; o que é raro é que os suicidas escolham a povoada hora do almoço para dar o salto derradeiro. Escolhem sempre o edifício de Matemática, que tem o azar de ser o mais elevado (e o mais feio) de todo o «campus» e de ser circundado por uma plataforma de cimento; por isso aquele bloco é já conhecido como «o departamento do suicídio». A outra miséria competitiva de Berkeley é a praxe: no início deste ano escolar, um caloiro morreu literalmente afogado no seu próprio corpo, pelo excesso de água que o fizeram engolir. Esta semana, um outro foi parar ao hospital, esfacelado por inúmeros pedaços de metal disparados por armas «de brincar». Segundo o noticiário local, as autoridades aumentaram agora a vigilância em torno das «irmandades» de rapazes ou raparigas, versão local das «repúblicas» coimbrãs, depois de descobrirem que algumas delas funcionavam como centrais de droga e de produção de filmes pornográficos.

Quem frequenta as múltiplas, gigantescas e luminosas bibliotecas desta universidade, abertas a todos os que as quiserem frequentar - vários sem-abrigo passam ali os dias a ler - ou o centro de desporto onde há sempre aulas a decorrer, salas cheias de música e movimento, rodeadas por larguíssimos corredores onde dezenas de estudantes pedalam nas bicicletas de ginástica enquanto lêem, quem se senta na relva e observa as constantes nuvens de jovens, com livros debaixo do braço, conversando e rindo, não imagina que esta realidade solar possa ter como reverso uma espiral ilimitada de competição e violência.

Berkeley, como qualquer instituição de ensino, acaba por ser um resumo do melhor e do pior do mundo. Quando o melhor é mesmo muito bom, o pior tende a ser a tragédia absoluta. Esta universidade foi criada no século XIX a partir do sonho pueril de construir uma versão americana da Grécia, um lugar de ensino peripatético e integral, onde a moderação cintilasse e apaziguasse todas as paixões humanas. Para além dos vários edifícios inspirados na arquitectura da Grécia clássica e de um estádio desportivo com colunas dóricas, há um teatro grego, que durante o Verão serve concertos rock e durante o Inverno não serve para nada, por causa do vento e da falta de iluminação. E há as sandálias, de modelos muito desviados de qualquer espírito clássico, que parecem ser o calçado transmeteorológico e universal - as das raparigas, em geral, tão vertiginosas como o edifício de Matemática.

Dentro da biblioteca central há uma irresistível livraria alfarrabista onde se vendem preciosidades por meio tostão. Não é metáfora: todas as quintas-feiras se encontram ali várias estantes de livros à venda por cinco cêntimos de dólar. Claro que é preciso ter tempo para escavar os monos até alcançar os diamantes, como uma edição espanhola do «Dom Quixote», de 1922, com gravuras de Gustave Doré, ou a primeira edição da «Lolita» de Nabokov. Da última escavação trouxe, pela perdulária soma de três dólares, um interessantíssimo ensaio de Robin Morgan, datado de 1989: «The Demon Lover - on the Sexuality of Terrorism». Para além da análise feroz e ferozmente experimentada da sobrevivente ao fascínio terrorista que Robin Morgan também é, encontro nestas páginas reflexões que adquirem uma acuidade exemplar, neste início de século em que se verifica uma desvalorização contínua, militante, do pensamento feminista a par de um crescimento exponencial da competitividade e da obsessão pela excelência.

Escreve Morgan: «Se eu tivesse que nomear, através de uma só qualidade, o génio do patriarcado, ela seria a compartimentação, a capacidade de institucionalizar a desconexão. O intelecto excluindo a emoção. O pensamento separado da acção. A ciência afastada da arte. A Terra dividida em si mesma; fronteiras nacionais. Os seres humanos catalogados por sexo, idade, raça, etnicidade, preferência sexual, altura, peso, classe, religião, competências físicas, ad nauseam. O pessoal isolado do político. O sexo divorciado do amor. O material em ruptura com o espiritual. O passado apartado do presente e em disjunção com o futuro. A lei desprendendo-se da justiça. A visão dissociada da realidade».


Por alguma razão os estudantes suicidas de Berkeley, asiáticos, americanos, hispânicos ou afro-americanos - a universidade é um faustoso bufete de cores e nacionalidades, com uma visível predominância de pessoas de origem asiática - são sempre do sexo masculino. As mulheres resistem melhor à derrota, provavelmente porque foram educadas para acumular e relativizar em vez de compartimentar e extremar. Ironicamente, a educação para a fragilidade tornou as raparigas mais fortes; podem sentir-se sobrecarregadas, mas essa sobrecarga traduz também uma estereofonia de interesses que as mantém à tona. Até porque possuem o direito ao lago das lágrimas que continua interdito aos rapazes, um lago onde podem libertar-se dos pesos excessivos da existência e nadar até à próxima margem. Compartimentar é matar; defendendo a complementaridade e a interacção de todas as esferas da vida, a filosofia feminista parece agora a única esperança de sobrevivência para o sexo masculino.

terça-feira, abril 19, 2005

Más notícias de Roma

Hoje o pior dos cenários confirmou-se. A Igreja Católica decidiu substituir um papa já de si bastante conservador por um ultra-conservador.

Quando todo este processo de substituição do papa começou, achei que seria uma boa oportunidade para a Igreja se relançar no século XXI em novas bases, mais ajustadas ao mundo fora dos limites claustrofóbicos do Vaticano. O primeiro passo, pensei eu, seria evitar escolher o Cardeal Ratzinger.

Bom, assim não quis a história. Ou antes, assim não quis o próprio João Paulo II que escolheu a esmagadora maioria dos cardeais que decidiram a sua sucessão. E isso diz muito da verdadeira natureza do pontificado do simpático e debilitado polaco.

E agora vejamos no que isto dá. Boa coisa não será. Alguns bispos portugueses, como o Januário Torgal Não-sei-quê já vieram a público criticar esta escolha. Bom, algo me diz que esses bispos, depois da morte do JP II, já se estavam a preparar para uma igreja que não vai acontecer. Não lhes auguro grande futuro.

E já que este blog é suposto ter alguma relação com a nossa estadia aqui na Kalifornia, faço um comentário adicional. Quando estava em Portugal, sempre achei que a importância dada à Igreja católica em geral e ao papa em particular era uma coisa mto local, resultante do simples facto de "sermos" (tristemente) tão avassaladoramente católicos. Bom, recentemente aprendi que os largamente protestantes americanos também respeitam enormemente o líder supremo da Igreja Católica. Confesso que não percebo muito bem porquê. Será ainda um saudosismo das épocas já remotas em que a cultura ocidental tinha uma liderança espiritual clara e unificada? Será a falta de instituições universalmente respeitadas - como o antigo monarca - de que padecem as repúblicas democráticas?

Não sei. Mas de qualquer das formas, vou-me agora dedicar a questões mais prácticas como ter a certeza (tradução pateta de "make sure") que não faço demasiada má figura se o professor da aula de Estratégia que vou ter agora decidir me chamar a frio ("cold call"). Sim, porque isto das palavras, leva-os o Bento. (desculpem, sabem q eu não consigo evitar trocadilhos sem piada...)

sexta-feira, abril 15, 2005

Diário de Berkeley

A Inês Pedrosa esteve aqui em Berkeley e escreveu esta crónica sobre a cidade e a universidade. Não sou assim um grande fã dela e não concordo necessariamente com mto do que ela escreve nesta crónica, mas há algumas passagens que retratam mto bem algumas das facetas curiosas desta cidade. Nomeadamente, o grande numero de "malucos" (alguns, não são bem malucos, mais "deslocados" que outra coisa) que por aí vagueia a falar com as árvores ou a rir-se do vento...

Diários de Berkeley, I, Inês Pedrosa

Uma da manhã, e a febre de sábado à noite escalda no Oásis Afegão, onde decorre um casamento indiano que inclui sessões contínuas de dança do ventre. Afgan Oasis é o nome do restaurante do Shattuck Plaza Hotel, um americaníssimo hotel de Berkeley que parece ter sido congelado nos anos 50 e esperar que um David Lynch venha filmar os seus corredores de luz enigmática, calhados para o silêncio dos saltos altos sobre as alcatifas de cores comidas pelo tempo. Sim, Lynch não desdenharia este pouso, praticamente o único, ao que me dizem, em toda a Berkeley, que ainda reserva quartos para esses loucos egoístas que são os fumadores. O vício público do fumo reduz-se aqui praticamente aos sem-abrigo - e há centenas deles em Berkeley, como em São Francisco, que fica a quarenta minutos de metropolitano. Passeiam pelas avenidas empurrando os seus apartamentos móveis, carrinhos de supermercado que vão enchendo com mantas velhas, objectos abandonados, restos de comida, aquilo a que os abrigados chamam lixo. Dormem, comem e vivem nos bancos públicos, pedem trocos aos transeuntes, que cumprimentam invariavelmente - soltem-se ou não os trocos - com um sorriso e votos de um muito bom dia: «Have a great day!» Vários deles passam os dias a ler livros, enquanto esperam que o copo se encha de moedas, outros prometem um poema inédito a troco de umas moedas. O mais famoso dá pelo nome politicamente incorrecto de Ape Man, Homem Macaco, e passa os dias no «campus» universitário.
Há dias animava um dos pátios da universidade com um debate sobre política internacional, que esgrimia num francês perfeito com um aluno francófono.

Só os esquilos parecem alheios ao contínuo rumor das conversas de fundo, ziguezagueando entre sandálias e sapatilhas. A Universidade de Berkeley situa-se simultaneamente dentro da cidade e no coração de um imenso parque florestal, com regatos correndo entre carvalhos antiquíssimos, camélias florindo e relvados infinitos. A beleza da paisagem, a qualidade dos edifícios, das piscinas, dos ginásios, das cantinas, do teatro, das múltiplas bibliotecas, da gigantesca cinemateca - com uma programação magnífica e constante - funcionam certamente como vitaminas potentes para a vontade de aprender ou de ensinar. Aterro no auge da campanha eleitoral para a Associação de Estudantes desta universidade que alberga 32 mil alunos de todas as cores, tamanhos e feitios. A Telegraph Avenue vibra de cartazes e manifestações, que não nos transportam ao lume que nesta rua se vivia quotidianamente nas décadas de 60 e 70 porque não há gritos nem insultos, apenas um multiculturalismo publicitário, de bancas ordenadas e slogans eficientes, organizado em torno de espectáculos variados, das danças de salão ao rap.

Esta democracia vigorosa tem como contraponto uma demagogia perigosa; diz-me uma estudante brasileira que quem ouse aventar, ainda que timidamente, que a literatura não é uma planície de operários iguais e igualmente significantes, tem um futuro difícil. Conta-me o caso exemplar do professor Frederick Crews, que arrasou o dogma antidogma através de dois livros de ensaios críticos sobre os populares livros infantis do ursinho Winnie the Pooh («The Pooh Perplex», de 1963, e, recentemente - em 2001 - «The Postmodern Pooh»), ensaios supostamente escritos por sumidades diversas. Terminou a sua vida académica na maior obscuridade, ostracizado pelos colegas (muitos dos quais se terão sentido retratados nas biografias fictícias, no jargão e na lógica dos supostos autores dos ensaios) e quase sem alunos. Desconstruir teoricamente o ursinho Pooh, ainda por cima numa universidade que tem o urso como mascote, é uma provocação. Corri em busca do Pooh Pósmoderno, que é uma bomba de sofisticada e letal ironia, um manifesto-em-acto sobre o beco a que conduz o academismo anti-académico. Quando se transforma a sociologia num corta-relva de valores, acaba-se a chorar a ausência de valores, ou cânones. Nem Berkeley, classificada como a segunda melhor universidade do mundo, e com pergaminhos de excelência no que se refere à investigação em ciências humanas, consegue escapar completamente ao facilitismo integrador das modas do tempo. Embrenhada na leitura, rindo-me sozinha (ninguém estranha, em Berkeley há sempre alguém a falar para as árvores ou a rir-se do vento), sentam-se ao meu lado duas alunas, conversando sobre os trabalhos a apresentar no curso. Aos lamentos de uma sobre a dificuldade de arranjar um tema interessante e de rápida execução, respondia a outra: «O melhor era arranjares uma figura de um país africano e que tenha trabalhos a favor da paz e essas coisas. O ideal era uma mulher, que sempre te abre o campo dos Estudos de Género. Não, a Nobel da Paz não é boa ideia, já está muito batida». A cor castanha da pele desta pragmática conselheira torna-a totalmente insuspeita de incorrecção política.

As dançarinas latino-americanas do paraíso afegão saem finalmente para a noite.
Ouço-lhes os risos enquanto entram no café em frente. Há sempre um café aberto, uma merceariazinha coreana que nunca fecha, uma luz em permanência em qualquer rua de uma cidade americana. Se pararmos a olhar para as placas numa esquina, alguém vai sorrir e perguntar-nos se precisamos de ajuda. Se pusermos um cigarro na boca e começarmos a folhear os bolsos, alguém nos aparecerá no segundo seguinte com um olhar cúmplice e um isqueiro na mão. Se uma mulher entrar sozinha num restaurante dão-lhe uma mesa à janela e servem-na com mimos especiais. Para lá dos valores artísticos, políticos ou religiosos que se tosquiam mais para a direita ou para a esquerda, que se extraviam e se batalham e se esgravatam e voltam a florescer, há esse valor essencial que fez e faz ainda a força e o encanto da América, e que se traduz na capacidade de acolher e aceitar as pessoas tais como são, e de desejar um grande dia a cada uma delas.
Um valor anterior à própria liberdade. Os países ditos socialistas reclamaram-se dele, mas nunca o praticaram. A América pratica-o diariamente: a igualdade.

quarta-feira, abril 06, 2005

Final de tarde...

Ainda é cedo para estar a sentir saudades, mas algo me diz que estes finais de tarde nos vão fazer muita falta...