sábado, dezembro 11, 2004

Futebol americano universitário, a Rose Bowl e outras provas que já estou nos Estados Unidos há demasiado tempo

Como se o mini-autocarro, a barba e os óculos escuros não fossem prova suficiente de que a América está a afectar-me o juízo, em apenas 3 meses tornei-me um adepto de futebol americano. Sobretudo do futebol americano universitário. (este parágrafo inicial deve ser prova mais do que suficiente que o melhor tem a fazer neste momento é não lerem mais nada e irem fazer qualquer coisa mais interessante tipo ir arrumar os dossiers com as contas de telefone, luz e gás do ano passado. Considerem-se avisados, prossigam por vossa conta e risco!)

Não sei se vocês sabem (heeere we go...), mas o desporto aqui nos Estados Unidos funciona de uma forma bastante diferente. Ao contrário do que acontece no resto do mundo em geral e em Portugal em particular, aqui os bons desportistas em vez de desistirem da escola (ainda) mais cedo que o resto dos mortais, ficam na escola exactamente por isso. Bons desportistas (em quase qualquer desporto, mas sobretudo no futebol americano e no basquetebol) à saída do liceu recebem boas bolsas de estudo para irem para boas universidades (boas naquele desporto, leia-se). Uma vez na universidade, passam mais tempo a fazer desporto do que a estudar, mas é isso que se espera deles. Depois os melhores (menos de 5%, dizem-me) são recrutados pelas equipas profissionais.

No fundo, as universidades desempenham o papel de "escola" que os escalões juniores dos clubes europeus desempenham. Enquanto na escola, os jogadores são amadores e, mesmo que sejam a melhor coisa que já aconteceu no desporto desde que ele foi inventado, têm de esperar até "acabar o curso" para passar para uma equipa profissional e começar a fazer bom dinheiro. Ou seja, se o Cristiano Ronaldo fosse americano, ainda estaria a jogar na sua Universidade e ainda era amador, apesar de já ser um dos melhores jogadores do mundo (na verdade, o sistema é um pouco mais flexível que isto, mas por simplificação vamos assumir que é assim).

Entusiasmante este tópico, não é? Não sei se eu próprio vou conseguir ficar acordado tempo suficiente para acabar de escrever esta coisa... Mas sendo que a alternativa é tomar atenção à aula de Contabilidade a que estou assistir, avancemos sem medos.

Perguntam vocês: porque raio resolvi eu passar valiosos minutos do meu tempo a aborrecer-vos de morte com este assunto? Basicamente, porque esta introdução é essencial para explicar uma outra questão potencialmente ainda mais aborrecida: o sistema de Bowls do futebol americano universitário e a roubalheira de que a equipa aqui da Universidade (Cal Bears) foi alvo.

Portanto, como se este sistema já não fosse bizantino o suficiente, a organização do campeonato de futebol americano universitário é uma confusão pegada que dificilmente se consegue compreender apenas numa conversa (agora, porque é que eu resolvi pôr-me a explicar isto num e-mail é algo que só o meu psicanalista poderá explicar...). O campeonato principal tem 117 equipas ou coisa que o valha que se encontram divididas em várias divisões de cerca de 10-12 equipas, sendo que, claro!, há equipas q não pertencem a nenhuma delas. Por exemplo, a equipa aqui dos Cal Bears pertence ao Pac 10, de que fazem parte outras equipas aqui da região do Pacífico (Standford, UCLA, USC, Oregon, Arizona, etc.).

Cada época regular é composta de apenas 11 ou 12 jogos. Cada equipa joga com quase todas as equipas da sua divisão (que vão variando de ano para ano, com a excepção de alguns jogos mais clássicos q nunca mudam; exemplo: Cal joga sempre com Stanford, visto ser uma rivalidade histórica) e com mais duas ou três equipas de outras divisões (que vão variando, com a excepção de algumas rivalidades históricas que dão direito a jogo anual; ex: USC - Notre Dame). Ao contrário do que acontece no resto do mundo e no resto dos desportos, duas equipas jogam apenas uma vez por ano. Um ano jogam em casa, no outro jogam fora. A justificação que me deram - e que faz sentido - é que sendo um desporto tão dado a lesões (é raro jogo de futebol americano em que pelo menos um jogador não fica arrumado para o resto da época) se a época fosse mto maior, o numero de jogadores que cada equipa teria de ter seria absolutamente incomportável (sendo que mesmo assim cada equipa tem um numero louco de jogadores: 11 tipos atacam, outros 11 defendem, outros 11 jogam nas "special teams", etc, etc.).

(permito-me abrir um parentesis para comentar esta fixação dos americanos pela "tradição". Para compensar uma falta brutal de patine, estes tipos vêm tradição em qualquer coisa que se repita 5 vezes. E é por isso certamente que existem tantas "rivalidades históricas" que na verdade que não têm mais de 50 ou 60 anos. Imaginem se estes tipos tivessem marchas populares de Lisboa ou o Palio de Siena!!)

Finda a época regular - os tais 11/12 jogos - as melhores equipas de cada divisão jogam mais um jogo. Esses jogos de final de época são chamados "Bowls" e são o equivalente universitário da Super Bowl. Só que em em vez de uma por ano, existem variadissimas, com vários graus de importância. As mais importantes, acho eu, são a "Rose Bowl", a "Orange Bowl", "Fiesta Bowl" e a "Sugar Bowl", mas há muitas outras. (os mais atentos devem ter rejubilado com a menção da Rose Bowl, visto ela ser a principal razão pela qual decidi fazer este doloroso exercício de re-escrita dos Maias). A Rose Bowl, por exemplo (e é o que interessa para aqui) é jogada entre o primeiro classificado do Pac 10 (relembro que essa é a divisão de que aqui a equipa dos Cal Bears fazem parte) e o primeiro classificado dos Big 10 (que é composta por equipas do Midwest e, como nome indica, tem 11 equipas!!). Geralmente, mas nem sempre porque, não satisfeitos, estes senhores decidiram introduzir mais um elemento de complicação: os rankings nacionais!

Dado o sistema de divisões e o facto de as equipas não jogarem todas umas com as outras (nem nada que se pareça!!), dir-se-ia que um ranking nacional não seria possível, certo? Errado!! À falta de critérios "desportivos", eles vão a votos. Todas as semanas são publicados vários rankings das melhores equipas universitárias, resultando da votação de vários grupos de pessoas (treinadores, comentadores, pessoas normais, pessoas anormais, gatos, periquitos, etc.). "Tradicionalmente", isso servia para decidir quem era o "campeão nacional". Mas isto, claro, sempre criou imensa polémica. Afinal de contas como se podia saber se a equipa A era melhor que a equipa B se elas nunca jogaram? Vai daí, eles decidiram melhorar o sistema por forma a haver um campeão nacional indiscutível.

Uma possibilidade seria criar um sistema de playoffs, mas nããããooo... Isso seria demasiado simples!! E pouco "tradicional"!! O que fizeram eles? Decidiram que os dois primeiros classificados no ranking nacional jogariam no final do ano para tirar as teimas. Porreirissimo! Mas isso levanta dois problemas: Primeiro, com tantos rankings diferentes, como é que se define quais os dois primeiros classificados? Segundo, e o que acontece com as "bowls" tradicionais?

Para resolver a questão do excesso de rankings, o que fizeram eles? Criaram mais um, claro (sob o nome BCS - importante legenda para se compreender o cartoon incluso)!! Mas desta vez, em vez de serem pessoas ou periquitos a votarem, são computadores. Uma meia dúzia de diferentes algoritmos considerando diversos critérios (pontos marcados, pontos sofridos, qualidade dos oponentes, condições climatérias, cores das camisolas, esse tipo de coisas) são calculados, ponderados e pimbas! Acho que no início era assim mas acho q a coisa gerou muita polémica porque os humanos (já para não falar dos outros animais domésticos envolvidos) não concordavam muito com os rankings computadorizados. Então este ano (penso que este ano foi o primeiro em que isso aconteceu) decidiram-se por uma solução intermédia em que o ranking final é uma média de 3 rankings: os dois rankings "humanos" (votados) mais reconhecidos e o ranking "computadorizado" que anteriormente era utilizado em exclusividade.

Com o jogo de definição do campeão nacional cria-se um problema: quem é que substitui nas "bowls tradicionais" as equipas que vão ao jogo de campeões? E aqui finalmente chegamos à história que queria contar. (Infelizmente, para vocês perceberem de todo do que vou falar a seguir, foi necessário este pequeno prólogo. Espero que os danos psicológicos que a sua leitura possa ter causado não sejam permanentes!) Essa decisão é muito pouco clara e este ano prejudicou seriamente os Cal Bears. Os primeiros classificados aqui do Pac 10 foram os USC Trojans e teriam portanto direito a jogar a Rose Bowl. Contudo, eles tb ficaram em primeiro lugar no ranking nacional, pelo que vão antes jogar o tal jogo de campeões e têm de ser substituídos. Depois de uma época brilhante em que só perderam - e por poucos - com USC, os Cal Bears ficaram em segundo lugar no Pac 10 e tinham óbvias pretensões a ir à Rose Bowl. Contudo, a decisão final cabe aos organizadores (privados) da Rose Bowl e eles acabaram por escolher a equipa do Texas (de uma outra divisão, claro) porque esta, na recta final, ultrapassou os Cal no ranking nacional (acabaram em 4º e "nós" em 5º).




Resumindo e concluindo: fomos roubados!!! O que se passa é que a equipa dos Cal tem muito pouca "tradição" em termos de futebol e os organizadores estavam mortinhos para a substituir pelo Texas, muito mais propensa a criar receitas (publicidade, merchandising, etc.). Nem foi necessário muito. Bastou reduzir um tudo ou nada a votação dos Cal nos rankings humanos e pronto: O Texas ultrapassou Cal e os organizadores tiveram os seus desejos realizados. Ainda não é desta que os Cal põem (nunca soube escrever isto) um fim ao seu jejum de 50 anos e voltam à Rose Bowl. Mas, enfim, a maior parte das pessoas achou todo o processo escandaloso e mais uma vez se discute o que se pode fazer para tornar a coisa mais transparente.

Agora, qual a importância e relevância disto tudo é que eu não sei! Mas está escrito e não vou deitar fora. Para além que fica totalmente provado o título do post...

aardvark

PS: Para aqueles que estão a suster a respiração a pensar "mas... e os nossos heróis, os ursos da Califórnia, não têm direito a nenhum prémio de consolação?". Têm sim senhor. Vão jogar a "Holiday Bowl" que tem tanto carisma como o nome indica: pouco. Uma "bowl" absolutamente secundária.

PPS: Aqueles que estão a suster a respiração para ver se arranjam um atalho para acabar com o seu sofrimento, podem descansar: acabou!

7 Comments:

At 12:04 da manhã, Blogger aardvark said...

Quero ver alguém agora a dizer que isto está a ficar interessante! Ah!!

 
At 3:03 da manhã, Blogger Ana Rangel said...

Falta aí o Pinto da Costa... eheheh!!! ;-)
Aqui, deste lado, temos de desligar os pc's nas aulas... já percebi porquê!
Mas digo-te já que, para uma aula de contabilidade, não está nada mal...
Ficámos à espera do próximo...
Beijinhos!

 
At 5:23 da manhã, Blogger Onun said...

miudo para além de andares a mostrar livremente o que és por dentro um cromo com tentdência para a a megalomania e talvez esquizofrenia, vê se escreves com uma letra maior para a próxima vez.. fez-me lembrar o Harrison (e não é nada abonatório esta boca)...
inté

 
At 1:28 da tarde, Blogger aardvark said...

Claramente não sei quem é o Harrisson, mas suspeito que te estejas a referir a algum manual de Anatomia ou assim. A letra está pequena mas não tem nada a ver com o template. Como a crónica era excessivamente grande, decidi-me pela letra mais pequena possível. As crónicas normais terão tendencialmente uma letra bem maior.

 
At 4:03 da manhã, Blogger Rui Hermenegildo said...

Meu caro, o improvável aconteceu, o que confirma que não é impossível: quando ousei afirmar que o vosso Blog estava a ficar mais interessante não era necessário levar esta afirmação tão a peito e... escrever o post mais "interessante" dos últimos tempos [confirma-se a tendência para a megalomania denunciada pelo Brutus que tens na família, que para além de ser crava pensa (ingenuamente?) que as inaugurações de exposições servem para as pessoas poderem ver as mesma em primeira mão!]! Keep going.

 
At 4:05 da manhã, Blogger Rui Hermenegildo said...

Só mais uma coisa, poderias mesmo criar uma secção de "posts pedidos", do género "peçam-me para escrever sobre coisas interessantes e eu prometo escrever um artigo com mais de 15.000 caracteres em letra miúda"! Eu avanço com o primeiro pedido: poderias elucidar a malta sobre as regras de Baseball? Eu confesso que depois de três horas passadas em Chicago a assistir ao “tradicional” e “mítico” (acrescento eu) jogo entre os Chicago White Sox e os Chicago Cubs, entre um cheiro nauseabundo a junk food e um tédio insuportável, e depois de me terem explicado 20 vezes as regras do jogo, o meu desprezo pela modalidade é tanto que o meu cérebro se recusa a processar a informação... Obrigado.

 
At 6:49 da manhã, Blogger aardvark said...

Olha que essa ideia dos "posts pedidos" não é má de todo. Vou pensar seriamente nisso. Não sei é se isso não será (o português é uma língua muito esquisita, realmente) demasiada areia para a camioneta do meu html...

Quanto ao baseball, penso que a devida crónica esperará até ser oportuno. Sendo que perdi há um par de meses uma oportunidade histórica para o fazer quando os Red Sox quebraram uma praga de 80 anos (the curse of the Bambino) e ganharam a World Series. Nas meias finais aproveitaram para ser a única equipa na história dos playoff a recuperar de uma desvantagem de 3-0. Dificilmente voltarei a ter uma oportunidade tão boa, mas hei de escrever uma crónica com meia oportunidade.

Mas, adiantando-me um pouco, compreendo perfeitamente o teu (rhg) repúdio por este desporto. Uma das actividades durante a semana de "Orientação" do MBA, uma semana depois de aqui termos chegado, consistiu em ir ao estádio ver um jogo dos Oakland A's. Tal como tu, achámos que se tratava do jogo mais seca alguma vez inventado por uma criatura do Senhor.

Entretanto a cavalgada histórica dos Red Sox mudou bastante a minha opinião. Deixemos o resto para a tal crónica que aqui vos fico a dever.

 

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